Como vivem os homosexuais na cadeias americanas:
http://www.huffingtonpost.com/2014/11/18/gay-wing-la-jail_n_6179292.html
Violência sexual na cadeia:
Honra e Masculinidade*
Enéleo Alcides da Silva
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS/UFSC)
Resumo Abstract
A violência sexual entre Sexual violence in prison
prisioneiros é muitas vezes is often justified by prisoners as
justificada como sendo a mani- the manifestation of a penalty
festação de uma pena, imposta imposed on other prisoners,
e prevista por uma "regra social which is prescribed by an
interna" dos presídios. Na Ca- "internal social rule". At the
deia Pública de Florianópolis a Florianópolis Public Jail, sexual
violência sexual é mais comum violence is most commonly
contra os novatos, sendo "viti- practised against newcomers,
mas" preferenciais os estu- mainly rapists, parricides, stool
pradores, parricidas, "cagoetas", pigeons, "tools" and efemina-
"laranjas" e "afeminados". Para tes. Such prisoners hurt the
os presidiários, estas categorias honor (i.e.: the codes of honor)
ferem a honra (leia-se: os códi- of society. Which is to say, not
*
Honor, masculinity and sexual violence amongst prisoners at the Florianópolis public
jail
[ Revista de Ciências Humanas
Florianópolis
123
v 15
n.21
p.123-138
1997
gos de honra) da sociedade. Não
somente da comunidade
prisional, mas da comunidade
externa de onde eles provém,
justificando, assim, uma punição
mais "apropriada" que a
imposta pelo Estado. Este
irabalho apresenta um Estudo de
Caso de Violência Sexual na
Cadeia Pública de Florianópolis
e suas implicações com as
teorias de gênero, masculinidade
e honra.
Palavras-chave: Violência
Sexual, Honra, Masculinidade,
Estupro, Prisão.
only the codes of honor of the
prisonal universe are touched,
but also those of the external
community where the prisoners
came from, therefore justifying
a more "appropriate" puni-
shment than the one prescribed
by the State. This work presents
a case study of sexual violence
within the Florianópolis Public
Jail and its relations with
gender theories and
conceptions of masculinity and
honor.
Keywords: Honor, Masculi-
nity, Sexual Violence, Rape,
Prison.
A violência sexual entre prisioneiros é muitas vezes
ernicamente l justificada como sendo a manifestação de uma pena,
imposta e prevista por uma "regra social interna" dos presklios. 2
Na Cadeia Pública de Florianópolis a violência sexual 3 é mais
comum contra os novatos, sendo "vitimas" preferenciais os
1
2
3
Fag() uso no meu texto dos conceitos fornecidos por Marvin Harris em A Natureza das
Coisas Culturais, distinguindo êmico para os discursos dos informantes e ético para os
discursos do pesquisador.
Este texto aborda apenas a violência sexual que é justificada pelos próprios presos
como sendo praticada em razão de um código de honra tácito existente entre eles, sem
discutir se esse código de honra é ou não apenas pretexto para justificar outros desejos.
Sobre esta discussão ver SILVA, Eneléo A., "In : Noções de Justiça em uma Perspectiva
Antropológica " , projeto de dissertação para o PPGAS/UFSC.
O Código Penal Brasileiro, no capitulo sobre crimes contra a liberdade sexual, defi ne dois
tipos de crimes sexuais praticados mediante violência ou grave ameaça: o estupro e o
atentado violento ao pudor. 0 estupro se caracteriza pelo constrangimento de mulher
conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça. Por conjunção carnal a Justiça
brasileira entende a penetração do pênis na vagina. Logo, se o ato praticado for diferente
de conjunção carnal o crime não sera de estupro, e obviamente, este tipo de crime
também não pode ser cometido contra homens. Se o crime sexual for contra homens, ou
contra mulheres sem a penetração do pênis na vagina e for praticado mediante violência
ou grave ameaça, será caracterizado como Atentado Violento ao Pudor.
124
estupradores 4 parricidas, "cagoetas" 5, "laranjas" 6 e "afeminados".
Para os presidiários, estas categorias ferem a honra (leia-se: o códi-
go de honra) da sociedade. Não somente da comunidade prisional,
mas da comunidade externa de onde eles provém, justificando, as-
sim, uma punição mais "apropriada" que a imposta pelo Estado.
Quem comete crime sexual contra mulher ou criança, violenta uma
"instituição sagrada": a família. Quem mexe na honra das mulhe-
res, fere também a honra dos homens. 0 mesmo ocorre com quem
mata o pai ou a mãe. Pai e mãe "são sagrados", e quem os agride
esta agredindo toda a comunidade. Os cagoetas traem o "acordo"
de cooperação e lealdade entre os companheiros, e os laranjas e
afeminados agridem porque ferem a regra de virilidade esperada
pelos demais membros da comunidade.
Não afirmo que estes são os motivos que levam os prisio-
neiros a violentarem seus pares, mas sim que as justificativas para
os seus atos estão fortemente baseadas nesses "códigos de hon-
ra", como expressão da masculinidade, da virilidade, passando
exatamente pela questão da proteção (leia-se também controle)
da família, das mulheres, ascendentes e descendentes.
As penas aplicadas às "vitimas" devem atingir e subjugar os
seus simbolos de masculinidade/virilidade. Sendo assim, os casti-
gos mais comuns, seguindo os depoimentos dos presidiários, são:
• violência física, como surras, espancamentos, mutilações,
• raspagem dos pêlos,
• penetração anal, pelos companheiros e pela introdução
de objetos como pedaços de pau, de ferro, de tubos de
desodorante, etc....
• a masturbação e felação nos companheiros,
•
desempenhar "papéis femininos", como ficar responsável
pela limpeza da cela e a lavação da roupa dos compa-
nheiros,
Os presos, no entanto, costumam chamar de estupradores tanto os autores de crime
de estupro como o de crime de atentado violento ao pudor.
Cagoeta (de caguete, alcaguete): dedo-duro, aquele que delata.
6 laranja: tonto, paspalhão, medroso, quem assume a culpa
de outrem, quem faz o que
os outros mandam.
4
125
imitar `papéis humilhantes", como "bicha", "Gretchem",
rebolar, etc....
Para um breve exemplo, apresento um estudo de caso, onde
podemos perceber melhor as implicações das teorias de gênero
no fenômeno da violência sexual na cadeia pública.
Marco7 é um rapaz de 19 anos, que mora na Agronômica,
em Florianópolis. No sábado, nove de janeiro de 1993, ele e mais
três amigos armaram suas barracas no Camping da CELESC na
Praia da Armação. No mesmo dia, Marco conheceu Heloisa, 29
anos, casada, que o convidou para ir a um barzinho à noite.
Os dois se encontraram, conversaram, beberam e foram
passear pela praia. A uma hora da manhã, Marco convidou
Fieloisa para comer ovos cozidos em sua barraca. Eles entraram
e fecharam o zíper.
As três horas da manhã Heloisa saiu da barraca, começou
a chorar ao ver seus amigos e disse que foi estuprada.
Mesmo contra a vontade de Heloisa, seus amigos
chamaram a policia e Marco foi levado para a Central de Plantão
Policial — CPP.
0 delegado de plantão achava que não havia indícios
suficientes da prática efetiva de estupro, porém, pressionado pelo
tio de Heloisa, que era comissário de policia, lavrou o flagrante.
Marco chegou à cadeia pública às 20 horas do dia 10 de
janeiro de 1993. Ele tinha marcas roxas no peito, nas pernas,
nas costas, nas nádegas e no rosto. Segundo ele, os ferimentos
foram provocados por policiais da CPP, onde ficou preso durante
todo o dia, sem receber qualquer tipo de alimentação.
Ao ingressar na cadeia pública, Marco ficou no corredor
com os demais detentos esperando a hora de entrar na cela. Nos
primeiros cinco minutos, um detento fez com que Marco lhe
entregasse os tênis que estava usando.
Foi só eu entrar no corredor e veio um cara com cara de bandido, devia
ter pelo menos o dobro do meu tamanho, e disse: — tira esse tênis que
caso descaracterizado.
126
quero. — Na mesma hora eu tirei e dei pra ele. Eu me esforçava para não
demonstrar que eu estava com medo, mas eu não conseguia parar de
tremer. Também, eu tava fraco de fome.
Logo em seguida, outro preso pediu a camiseta que Marco
estava usando, a qual tinha ganho da namorada.
Naquela hora eu me apavorei e pensei — agora eles vão pedir o meu
calção e depois vão começar a me bater. Eu pensava: mais uma hora
aqui e eu morro. Se tivesse que voltar pra la, eu me matava.
No seu primeiro dia, como é comum ocorrer com os recém-
chegados, Marco foi forçado a fazer a limpeza da cela, incluindo
ai a limpeza do "boi", espécie de vaso sanitário que é um buraco
no chão, e a lavação da roupa dos companheiros, recebendo
assim o "status" de "Mãe" ou "Mãezinha", que é como os presos
chamam àqueles responsáveis por este tipo de tarefa.
Marco dormiu no chão da cela que era dividida com mais
oito prisioneiros. Nada de muito grave aconteceu na primeira
noite, porém, na segunda noite, os companheiros resolveram fazer
o que chamam de sessão "raspagem". Com uma gilete velha
começaram a raspar seus pêlos e fazer chacotas. Quanto mais
Marco chorava, mais eles o humilhavam.
O Bigua mandou eu tirar o calção. Eu comecei a chorar. Ele chegou pra
mim com a gilete e disse que ia me cortar todo. Não tinha nada que eu
pudesse fazer. Eu só pensava na minha familia. 0 que eles estavam
sentindo por ter um filho na cadeia. Ninguém ia acreditar que eu era
inocente. Mas eu não tinha feito nada. Ela dormiu comigo porque quis.
Eu não forcei nem um pouco.
Dois dos detentos obrigaram Marco a masturbá-los. Outros
dois queriam que ele os felasse. Marco recusou e eles começaram
a dar tapinhas de leve em seu rosto e a brincar com um cigarro
aceso, chegando a queimá-lo na virilha.
Tinha um que estava deitado na cama e que eu pensava que era o
mandão, que dizia: — para com isso, deixa o gurizão em paz — mas eles
não obedeciam. Eu tava tremendo. Eu sabia que tinha dois ali que
estavam com AIDS. Eu pensava: se eles vierem pra cima de mim eu
morro.
127
Marco foi forçado a praticar felação em três detentos e no
dia seguinte deixou que praticassem com ele sexo anal.
Aqui fora é outra coisa, mas la dentro não tem nada que você possa
fazer. Eles são mais e mais fortes. Você fica fraco. E como se você não se
pertencesse. Tudo acontece e parece que nem é mais você.
Marco saiu da cadeia depois de três dias, completamente
transtornado. Não contou nada do que aconteceu prá ninguém.
Nem prá família, nem prá namorada, que rompeu o namoro,
nem pros amigos, nem pros médicos.
Eu chorava muito, muito e queria abraçar todo mundo, eu nem acreditava
que tinha saído de la, mas eu continuava tremendo e com medo, nem
sei do quê. Se tivesse que voltar pra la eu me matava.
Nos seis meses que se seguiram, o único objetivo de Marco
era provar a sua inocência. Ele passou a trabalhar num escritório
de contabilidade e todo o seu saldrio era para o pagamento do
advogado. Somente depois de três meses ele conseguiu falar para
o advogado que tinha sido violentado na cadeia, que tinha medo
de estar com AIDS e que tinha medo de fazer o ieste. Ele foi
orientado sobre as conseqüências da violência e da AIDS e lhe
foi indicado um local onde ele foi fazer o exame.
A Masculinidade
Para além das implicações psicológicas, o que podemos
perceber neste breve relato é como os presos manipulam os
conceitos de gênero, tais como, papel, identidade, construção e
desconstrugdo da masculinidade numa perspectiva de aplicação
de uma sanção penal informal (frise-se: eticamente ilícita)
emicamente justificada como oriunda de códigos de honra.
A utilização por parte dos presos de conceitos como "rnde/
mãezinha", que passa a ser atribuído à "vitima", de uma forma
pejorativa, num primeiro momento, como ritual de humilhação
e a assimilação por parte da "vitima" desse "papel", passando
então a desempenhar as tarefas a ele inerentes, como a limpeza
da cela e a lavagdo de roupas, enfim as tarefas tidas no plano
êmico como domésticas ou "femininas", nos mostra uma
separação entre um "papel de gênero feminino" e uma "identidade
de gênero" masculina.
Este universo da cadeia pública, limitado à presença de
"corpos masculinos" ou "sexos biologicamente masculinos", nos
permite perceber como os prisioneiros manipulam os conceitos
de "feminino e masculino", como tentam reconstrui-los ou
desconstruf-los, refletindo o quanto estes conceitos de "feminino
e masculino" são eles próprio "construiveis", "reconstruíveis" ou
"desconstruíveis", de acordo com o que propõe as teorias de
gênero da antropologia.
Aqui precisamos recorrer às teorias de Fry (1982), que ao
estudar a sexualidade brasileira utilizou-se de critérios
específicos, separando, de um lado sexo biológico (macho e fê-
mea), e de outro, gênero, subdividido em papel de gênero (mas-
8
"Estudo de caso" in: SILVA, Eneléo, "Violência Sexual na Cadeia Pública de
Florianópolis", Projeto para seleção de ingresso ao PPGAS/UFSC, 1994.
129
(masculino e feminino), comportamento sexual (se mantém
relações sexuais com o sexo oposto ou com o mesmo sexo, e no
caso de homossexuais masculinos, se é passivo/penetrado ou
ativo/penetrador) e orientação sexual (preferência em transar com
o mesmo sexo ou com o sexo oposto).
Assim, Fry separa pelo menos três facetas do gênero
masculino que podem ocorrer independentemente em
combinações entre si. No caso de homens, podem ter:
uma identidade masculina (considerarem-se homens)
e ter uma vida sexual heterossexual, porém com um
desejo ou atração (somente ou também) por pessoas
do mesmo sexo.
uma identidade masculina (sentirem-se homens), com
uma vida sexual homossexual e desejo por pessoas do
mesmo sexo.
uma identidade masculina (sentirem-se homens), com
uma vida sexual homossexual e desejo por pessoas do
sexo oposto (como é comum acontecer na cadeia em
razão do confinamento).
• uma identidade feminina (sentirem-se mulher) com vida
sexual heterossexual e desejo por pessoas do mesmo
sexo.
• uma identidade feminina, com vida sexual homossexual
e desejo por pessoas do mesmo sexo.
•
• ou mesmo uma identidade feminina, com vida sexual
homossexual e atração por pessoas do sexo oposto.
Outras variações ainda são possíveis, e essa vida sexual e
esse desejo/atração por pessoas de outro sexo ou do mesmo sexo
podem ser eventuais ou permanentes.
A rigor, tenderíamos a pensar que a masculinidade padrão,
no entanto, seria a encontrada em um indivíduo com uma
identidade de gênero masculina, uma pratica sexual exclusivamente
heterossexual e um desejo constante por pessoas do sexo oposto.
Porém, podemos perceber através de algumas etnografias que esse
130
padrão de masculinidade varia de cultura para cultura, e esses três
critérios apresentados por Fry, não são necessariamente definidores
da masculinidade.
Na etnografia apresentada anteriormente, percebemos que
a "vitima" que desempenha forçosamente o papel "passivo" terá
sua masculinidade questionada, lesionada e, conseqüentemente,
sua identidade humilhada, tratada seja como mulher ou como
homossexual. No polo oposto, porém, o agressor (ou agressores)
que desempenha o papel ativo, na relação sexual forçada, não
tem como ameaçada a sua identidade de gênero masculina,
apesar do seu efetivo envolvimento numa prática sexual
homossexual. Neste caso especifico de relações sexuais entre
homens só a "vitima" é vista como desempenhando um papel
humilhante. 0 papel do agressor é enaltecido: ele é viril, penetrador,
poderoso, másculo, agressivo, e está desempenhando papel de
homem. Esta concepção êmica da masculinidade nos remete
novamente a um conceito de Fry (1980) de que as questões de
gênero masculino/feminino estão intrinsecamente relacionadas
com a questão de "atividade/passividade" , onde a
homossexualidade não é percebida pela relação entre parceiros
do mesmo sexo mas pela posição em que esses parceiros ocupam.
Os agressores que penetraram Marcos "são homens", Marcos que
foi penetrado "fez o papel de bicha".
Retornando ao caso da Cadeia Pública de Florianópolis, o
ritual de raspagem dos pêlos da "vitima" é outro elemento chave
132
para entender mecanismos simbólicos utilizados pelos presidiários
para interferir diretamente na "masculinidade da vitima". Os
pelos são interpretados emicamente como símbolo da virilidade
(palavra chave indissociável de masculinidade). 0 seu corte age
simbolicamente como o corte dessa virilidade. A transformação
do "macho" em "fêmea". Além da transformação do papel de
gênero masculino, há aqui uma tentativa de se alterar o próprio
"corpo biológico masculino". 0 corpo másculo, viril, deverá ser
transformado num corpo feminino, liso, sem pêlos, para depois
ser penetrado: estagio último da transformação de homem para
mulher (ou homem para "bicha").
Presidios
Considerando-se o
caráter exclusivamente masculino das prisões e por se tratar de
local
onde os sujeitos são
coagidos a permanecerem por períodos longos de tempo é evidente a
importância dos presos
homossexuais, sobretudo – mas não apenas - no período anterior à
instituição da visita
íntima, que, no Brasil, ocorreu em 1987 para os homens e em 2001
para as
mulheres.
De acordo com Bourdieu
(1999), as manifestações de virilidade se situam na lógica da
exploração e da honra
e, neste sentido, não há humilhação e desonra maior para um homem
do que
ser transformado numa
mulher. Dentre as inúmeras relações de dominação que se
constituem nas
prisões, a posse
sexual aparece como uma manifestação de potência por excelência,
expressão mais
acabada de subjugação
do outro.
O corpo, enquanto
objeto possuído pelo indivíduo, funciona como o mais importante
signo
de marcação das
assimetrias sociais e da desigualdade na distribuição de poder uma
vez que não
pode ser desvinculado
da pessoa a que pertence (RODRIGUES, 1983). Neste sentido, a
violação
sexual do homem preso
impõe ao corpo destes indivíduos uma marca definitiva que irá
determinar a
sua posição social
neste universo, ao longo de toda sua pena. Uma vez penetrado, o homem
preso
nunca mais será visto
como homem pelos companheiros e passará a ocupar a posição mais
subalterna neste
sistema social, sujeito a todo tipo de humilhações.
A centralidade do sexo
e do gênero como marcador das relações de poder na prisão
decorre
da reação do
indivíduo preso à permanência prolongada num ambiente sem
mulheres. Qualquer
traço de fragilidade
ou qualquer demonstração de fraqueza podem expor seus portadores à
condição
feminina, isto é,
subordinada. Se um “homem” se sentir vítima do assédio de
outro, a manutenção
da sua identidade
masculina dependerá de sua capacidade de uso da força física
contra o agressor
como forma de afirmação
de sua honra e de sua virilidade. A ausência de uma resposta nesses
termos é traduzida em
termos de fraqueza e é suficiente para fixá-lo na posição de
mulher3.
Conforme notou também
Welzer-Lang (2001) os homens que não lutam contra a opressão da
qual
são vítimas são
rebaixados à categoria de mulher, com todas as conseqüências daí
decorrentes,
como a obrigação de
assumir as tarefas “domésticas”. Por este motivo – isto é,
pela ausência de
reação violenta aos
abusos sofridos – é que esses homens são culpabilizados pela
posição que
ocupam, o que reforça
ainda mais o estigma de que são portadores, sobrepondo uma
violência
simbólica que torna
mais cruel a agressão física da qual são vítimas.
Desta forma, a sujeição
sexual no interior da prisão possui um significado mais amplo, que
ultrapassa o âmbito
específico da sexualidade. Uma vez tendo sido violado, o homem preso
perde
os atributos
definidores da masculinidade, de forma que poucas opções lhe
restam, senão adotar o
papel feminino, com
todas as implicações decorrentes desta mudança de “gênero”
que vão desde a
exclusão de qualquer
posição decisória nos negócios “do crime”, até a
responsabilidade por
atividades
historicamente associada às mulheres, como a limpeza das celas e a
lavanderia. A prisão
reproduz, desta
maneira, a divisão sexual do trabalho em vigor na sociedade mais
ampla que reserva
às mulheres as tarefas
mais desprezadas, signos da ocupação de uma posição inferior na
hierarquia
social.
Conforme sustenta
Welzer-lang (2004) a dominação masculina e a homofobia são as
duas
faces que constituem a
forma de dominação através da qual os presos homossexuais são
subjugados. São essas
duas faces que dão sustentação à subordinação de uma
determinada categoria
de presos que tem em
comum uma identidade não atrelada à noção de virilidade,
associada,
sobretudo, ao exercício
da força física.
Em consonância com
essa lógica, na qual virilidade, poder, força física e
masculinidade
estão entrelaçadas,
Trammel (2007) chama atenção para o fato de que o preso que submete
o outro
ao seu poder garante a
sua posição de “homem” mesmo engajado numa relação
homossexual. O
papel ativo na relação
lhe confere a posição dominante, reforçando sua honra masculina e
sua
virilidade uma vez que
o outro, o dominado, é socialmente construído como mulher.
Tem-se então que
aquele que, no ato de natureza homossexual exerce a função de
ativo, sai
da relação altamente
positivado, uma vez que exerceu o papel de macho dominante. Por sua
vez, o
passivo, sofrerá
sanções já que sua prática é vista como anti-natural, e se torna
índice de seu papel
de dominado, reservado
normalmente às mulheres. A referência é ainda o modelo
heterossexual, já
que a dominação é
associada à penetração (WELZER-LANG, 2001).
Historicamente os
homens presos têm feito da sujeição sexual uma das form
Homossexual, apesar de
a prática ser frequente, “bicha” é somente aquele que faz o
papel
da mulher na relação
sexual. A cadeia é lugar de macho. O interessante é que as
“mulheres” da cadeia
assumem todos os papéis
femininos que a sociedade machista lhes atribui na sociedade livre
(cuidar
do marido, da cama, do
“quarto”, da comida e suas obrigações conjugais).
A teoria habermasiana
ajuda nessa reflexão ao destacar o papel das instituições
organizadas para formar
consensos. Outro ponto significativo é a maneira pela qual as
regras,
compartilhadas por
qualquer agrupamento humano, se potencializam criando identidade e
legitimidade
para os pares. Isso nos
dá uma base, por exemplo, para entendermos o processo de
prisionização e as
regras compartilhadas
pela “sociedade dos cativos”.
Uma possibilidade para
a “sociedade dos cativos” é entendê-la a partir da
delinquência.
Ao entrar na prisão, o
sujeito vai ter que se integrar a um dos dois grandes grupos
existentes: os
malandros (aqueles que
possuem essa gramática) e os não malandros (aqueles que não
possuem). Sua
aceitação passa pelo
domínio dessa gramática, ou discurso, do mundo do crime. É uma
primeira
separação importante
para mostrar como o indivíduo, ao entrar na prisão será tratado e
como ocorre o
processo de
internalização do uso da linguagem prisionizada por parte dos não
malandros, pois mesmo
20
sendo eles a maioria,
os estilos de fala e símbolos compartilhados são construídos pela
delinquência
(malandros).
Os não malandros vão
passar por uma série de rituais, até definir seu papel social na
cultura prisional que,
de maneira geral, podem ser: virar “mulher” de preso; pagar para
ser protegido;
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